recolhimento

vou observando meu corpo diariamente e, hoje em dia, poucas coisas passam despercebidas. é um dos maiores atos de amor e ansiedade, confesso. reparo em tudo que sinto, dentro e fora de mim. 

há alguns dias, gradativamente, tenho percebido uma nuvem densa e carregada pairar sobre mim. eu já cansei de fugir dessas nuvens, mas confesso que ainda me surpreendo com a força e voracidade delas. são arrebatadoras às vezes. incontroláveis. 

hoje foi o ápice do sentir. recolher-me foi a única alternativa, mas ainda assim muito difícil. o tempo e as demandas externas não esperam as dores de dentro passarem, e fazer tudo ao mesmo tempo, ainda que capengando, às vezes é necessário. com certeza, fiz mais do que achei que conseguiria, mas não concluí todos os compromissos que havia planejado para o dia. 

é "engraçado" como as dores da mente adormecem o corpo, né? geram uma "pá de coisa", tudo muito forte e difícil de lidar, eu acho. as costas doem, as pernas, o peito, a alma inteira e até o espírito. tudo dói simultaneamente. 

hoje percebi que meu corpo fugiu. possivelmente depois de entender que as dores de dentro e de fora não passariam com facilidade, meu cérebro desligou algumas funções motoras. eu simplesmente apaguei. desliguei. todo o meu "sistema operacional" se manteve em hibernação por pelo menos duas horas. 15 minutos de cochilo se tornaram duas horas. 

perdi compromissos importantes, mas ao menos acordei melhor. não bem, ainda estou longe dessa bondade toda. mas melhor do que fui dormir. 

uma vez, ouvi uma história de um rapaz que após passar por um período profundo de ansiedade, desmaiou e, ao acordar, havia perdido (completamente) a memória dos últimos 15 anos. ouvi também a história de uma moça que desmaiava toda vez que o corpo físico entrava em risco ou estresse eminente. extraordinário e assustador, né? tenho medo que isso aconteça comigo às vezes. 

nessa crescente do sentir, meu corpo começou a repelir algumas coisas e começou a se colocar, quase que automaticamente, em modo de recolhimento. 

engraçado, hoje li um texto que diziria praticamente isso. "se estiver exaltado demais, recue e reflita". então, talvez seja por esse caminho, né? recolher e recuar é uma das formas de sentir, entender e cuidar. cuidar do que está doendo. 

entrei em um limbo de tanto faz. nenhuma dor alheia ou direcionada a mim é pior do que o que eu já estou sentindo. o caos interno está tão denso, que se comporta quase como a resiliência. os fenômenos externos não são mais fortes do que a nuvem que já tomou conta de mim, aqui dentro. 

fazia tempo que eu não era tão envolvida em uma dor dessa maneira. e como o mundo não espera a minha dor passar, que eu siga sentindo. sentindo e fazendo da forma que posso, agindo e vivendo como consigo - sem vergonha de assim ser. 

estipular esse tempo indeterminado de recolhimento, que pode durar 24h ou 24 anos. para que as coisas se recomponham pelo menos um pouco. sem medo do porvir, porque nada poderá ser pior do que perder a mim mesma nessa aventura chamada vida. 

recolher para não sucumbir.
para não ser injusta.
para não deixar passar sem curar. 


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antes de sorte e bem, saiba que você tem total liberdade para sentir e recolher-se, ainda que suas demandas diárias digam que não. não há dinheiro, circustância ou pessoa mais importante do que você - principalmente numa hora dessas, onde tudo o que você precisa, é de você mesmo. 


sorte e bem. 


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