eu na vida

esse texto requer um pouco de sensibilidade, imaginação, humildade e ludicidade. se você não se sente alcançador desses fenômenos, não há problema. esse texto continua sendo para você. 




em dois mil e doze ganhei um livro. uma espécie de devocional - com uma diretriz para cada dia. quase um baralho de tarot, com respostas sensíveis e afiadas para quem abre e entende. no lugar de cartas, páginas. antes dessas páginas, um prefácio com muito sentimento. mostrando como a autora conseguiu alcançar palavras para cada dia do ano. 

lembro o quanto me tocou observar a forma como a autora percebia o mundo ao seu redor. me trazendo a proposta de sentir o calor do sol, sem pensar no sol em si. mas no encontro de seus raios com a minha pele - em seguida, ouvir os pássaros sem pensar nos pássaros - mas em como cada canto alcançava meus ouvidos. 

nessa mesma época, senti que havia mais pessoas contemplando o mundo com sensibilidade. coisa que por muito tempo tive vergonha. a exposição da minha sensibilidade foi um medo que consegui superar. observar sem medo, chorar sem culpa. 

além disso, com o passar dos dias e o encontro da maturidade, pude perceber o quão pequena e grande sou. é agora que te convido para ver, por um momento, como vejo a vida. 

estudando sobre as possibilidades e expansões da vida, abri meu olhar para assuntos além do que estava habituada a ver. energias, forças, ancestralidade. comecei a construir a personificação do mundo em mim e para mim. 

amo os finais de tarde, quando o céu se estabelece irregular como uma aquarela, gritando vermelho, temível e amável. uma dualidade que caminha entre deslumbrar e resguardar. é como um lembrete genuíno da potência e imensidão da vida, do poder e força que ela tem. 

acredito que perdemos muito tempo em nossas caminhadas por não nos percebermos como parte desse ecossistema. nos iludindo com a ideia de que somos dominadores dele. apesar de viver um grande embate psicológico sobre o planejamento (com isso não anulo a necessidade de metas, objetivos e vontades - realizações), levo em consideração a liberdade e soberania da vida - que sobrepõe tudo que temos para ela. 

quando vejo a vida, imagino uma garota forte, como Iansã. ventania, raios e tempestades, dona dela mesma. quando imagino o universo, imagino um homem preto de barba branca, sentado na varanda de uma casa simples na roça. apegado ao seu violão e à uma sinfonia que se forma quando dedilha as cordas - criando acordes indescritíveis. quando imagino o tempo, vejo dualidade. de um lado, um garoto ainda na infância, sedento e veloz como a luz. do outro lado, uma velha senhora, com nenhuma pressa em realizar seus anseios pois já entendeu o caminho que precisa trilhar. 

dentro de tudo isso, eu na vida.
pequena e grande ao mesmo tempo, parte falível e necessária do processo. acolhida por alegrias e dores, impetuosa e impulsiva, por muitas vezes vingativa. fruto de um amo eterno, verdadeiro e livre. amiga e inimiga, heroína e vilã dos meus próprios anseios. 

dentro de tudo isso, eu em mim. 
filha do homem da guerra e das armas, irmã daquele que revolucionou a existência, equívocos e transformações. parida por uma mulher preta, talhada em pele de fênix - que mais queima que voa. estrangeira em minha própria terra. 

dedico esse texto à minha querida amiga, juliana. 








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