monocromia dos dias {dos maus dias, das lágrimas}

Uma vida alegrando pessoas, fazendo-as sorrir. Tratou a vida como um picadeiro, um grande show. O importante era que todos estivessem bem e sorrindo, estivessem felizes. Os shows eram gratuitos, e longe a possibilidade de cobrar entrada. Nesse espetáculo entra quem quer, quando quer. E sai também, da mesma forma.



Enquanto artista, os dias são coloridíssimos, a maquiagem do palhaço é impecável! A cada dia, a cada espetáculo uma nova artimanha para descontrair o público. Nesse picadeiro é completamente proibido o uso de máscaras, é proibido usar de truques e magia para ludibriar o público. 

Entendia a necessidade de ser palhaço e alegrar pessoas. Porém, outro dia em seus devaneios lembrou que antes de começar a "atuar" havia um contrato. Sim, um contrato. Desses cheios de cláusulas, autenticado em cartório, carimbado e assinado pelo prefeito da cidade e pela coordenação do circo.

Lembrou de uma parte, provavelmente a única do contrato. Era uma parte onde as palavras dançavam, e tinham a cor azul. Se empolgou tanto com o azul das palavras que nem se atentou ao único parágrafo, com letras miúdas que acompanhavam a cláusula.


§ Atue, divirta-os, faça com que todos sorriam! Não tire a maquiagem. Continue alegrando a vida de todos.
            Parágrafo Único: se cansar, vá até o camarim e tire toda sua maquiagem. Use o ótimo demaquilante que está lá, passe um hidratante no rosto e se precisar, chore.

Não entendia muito bem dos direitos trabalhísticos, tão pouco do tempo e da intensidade que deveria servir de entretenimento para todos que admiram o espetáculo. Foi então, exausta de ser palhaço alegrar e servir como terapia para os que por hora eram triste, lembrou-se. 

"Existe um contrato! Me lembro bem! Assinei e prometi sempre fazer rir. As letrinhas eram azuis e bailavam na minha frente." 

(Só esquecera que possivelmente precisaria de ajuda, e que precisaria também estar na plateia e sorrir de algum outro pobre palhaço).

Foi então, procurando em uma velha gaveta e arrumando a sala de concentração que encontrou o contrato. E reparou que haviam letras miúdas logo depois das letras azuis.

Então, caiu e extremo choro. Choro contido, doído e escondido. Choro que não poderia jamais ser ouvido da plateia, tão pouco percebido na hora do espetáculo. Dos maus dias e das lágrimas, sem sombra de dúvidas esses eram os piores. A monocromia toma conta do cenário, o silêncio do choro contido, doído e escondido grita dentro de si.

Seria a hora de aposentar-se? Tirar toda aquela maquiagem e contar ao mundo que o palhaço tira o nariz vermelho, chora e devora o caos? 

(Talvez)

Passou a mão nos olhos carregando as lágrimas que rolavam por ele, leu uma outra cláusula.

§ Aposentar-se nesse circo não significa partir e deixá-lo, talvez você só precise entender o verdadeiro sentido do circo. Que de longe foi deixar-te triste querido palhaço. A intenção aqui é que você se divirta mais do que a própria plateia.
         Parágrafo Único: Um dica, tire a maquiagem todos os dias. Fortaleça sua artimanha de alegrar, e se preciso chore. Chore sempre.

Nos dias policromáticos esqueceram de dizer ao palhaço que um dia teria que tirar a maquiagem, ou que poderia tirar todos os dias. 

"Bem que achei estranho maquiar-me e não usar demaquilante. Colorir o rosto por cima de outra arte."

Pensando bem, a culpa foi do palhaço que não leu todos os termos do contrato, e só queria ir a alegrar! 

Outro dia na rua 7 esbarrei com o palhaço, não havia mais maquiagem. Então me disse:  "estou de folga! Hoje o dia é meu, alegra-me-ei e aprenderei que eu mesmo posso ser feliz." 

Então, vim para a frente do computador e descrevi a história do palhaço. Achei interessante, possivelmente os leitores do Blog gostariam de saber, ou não. 

Foi após retornar da rua 7, nome carinhoso que dei ao meu espelho que percebi, o palhaço sou eu.

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